2014 marca o cinquentenário de uma campanha que enganou famílias
inteiras e até hoje ninguém explicou o que aconteceu com os valores
arrecadados. O nome do golpe: “Ouro para o bem do Brasil”. Tudo
aconteceu em 1964 após a crise política alicerçada pela inflação
galopante, que levou as Forças Armadas a promoverem uma quartelada que
levou ao poder o marechal, Humberto de Alencar Castelo Branco.
Evidentemente, o país estava de cofres vazios, sem reservas cambiais
que pudessem conter a alta exorbitante do dólar. Diante do quadro
desolador, os Diários e Emissoras Associados – grupo de mídia comandado
por Assis Chateaubriand, o “Chatô”- lançam uma campanha na qual a
população doaria jóias em ouro para gerar lastro e assim produzir
dinheiro que ajudaria o Brasil a sair da crise. Os casais que doassem
suas alianças de casamento, por exemplo, receberiam de volta alianças de
metal e um diploma com os dizeres: “Doei ouro para o bem do Brasil”.
Com chamadas no rádio, televisão e reportagens pelos jornais do então
poderoso grupo empresarial, a população menos informada se mobilizou
para aquele que seria mais um “ato de cidadania”. Houve quem doasse
colares, brincos e outros objetos de ouro, até dinheiro do próprio
bolso, para ajudar o país a se levantar dos infortúnios do período que
antecedeu à “Redentora”, denominação dada ao movimento militar, por
parte daqueles que se posicionaram favoravelmente ao novo regime.
Assis Chateaubriand, cujo nome completo era Francisco de Assis
Chateaubriand Bandeira de Mello, comandava um verdadeiro império das
comunicações. Só em São Paulo tinha duas emissoras de rádio, duas TVs e
dois jornais, além de uma revista poderosíssima, “O Cruzeiro”, de
circulação nacional. O nome para a campanha foi inspirado na Revolução
Constitucionalista de 1932, onde o povo contribuiu com “Ouro para o bem
de São Paulo”, criando uma moeda paulista que circulou em todo o estado
durante o boicote comercial imposto pela ditadura Vargas. Só que após o
desenlace daquela revolução gloriosa, o ouro arrecadado foi utilizado na
construção de um prédio no centro da cidade, de pé até hoje, com o
formato da bandeira paulista e na Rua Álvares Penteado, 23.
A campanha “Ouro para o Bem do Brasil”, em 1964, também foi forte
recebendo o apoio de empresas e prefeituras que promoveram manifestações
com desfiles em vias públicas, onde escolares portando faixas, exibiam
dizeres alusivos à proposta. A Dulcora, de São Bernardo do Campo,
fabricante de balas e doces ajudou na campanha modificando a cor da
embalagem de seu principal produto, o drops Dulcora que de multicolorido
passou a ter unicamente a cor ouro.
A revista “O Cruzeiro”, em 13 de junho de 1964, apresenta um balanço
parcial da campanha informando que mais de 400 quilos de ouro e cerca de
meio bilhão de cruzeiros haviam sido doados pelo povo e por autoridades
civis e militares. Diz mais: “… a campanha, primeiro grande
movimento dos ‘Legionários da Democracia’, foi aberta com a presença do
senador Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional,
que recebeu do Sr. Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Associados
Paulistas, a chave do cofre em que será colocado o ouro e as doações em
dinheiro que serão entregues, posteriormente, ao presidente da
República, marechal Castello Branco…”
A revista acrescenta que inúmeras personalidades do governo federal
compareceram ao saguão dos Associados, na rua sete de abril, no centro
da capital bandeirante durante uma vigília cívica de 72 horas, para se
emprestar apoio e fazer doações para a campanha do ouro. “… o
ministro do Trabalho, Sr. Arnaldo Sussekind, representando o general
Amaury Kruel e diversas outras autoridades prestigiaram o movimento dos
‘Legionários da Democracia’. O Governador Adhemar de Barros doou, de
livre e espontânea vontade, os seus vencimentos do mês de abril, num
montante de 400 mil cruzeiros…”. informa ainda a publicação.
Mais de 100 mil pessoas doaram pertences, “desde as mais modestas
até as mais abastadas, depositando cheques de até 10 milhões de
cruzeiros, alguns provenientes de firmas, além de carros oferecidos pela
indústria automobilística nacional e inúmeras outras doações de grande
monta”.
As TVs Tupi Canal 4 e Cultura Canal 2, do grupo associados,
transmitiam da sede da empresa, com o repórter, José Carlos de Moraes, o
“Tico – Tico” narrando ao vivo os acontecimentos, mas nada ficou
arquivado. Não há registro na internet de nenhuma gravação alusiva a
essa campanha. Nos jornais, Diário de São Paulo e Diário da Noite se
noticiou que o “Ouro para o Bem do Brasil” seguiria na capital, até o
dia 9 de julho, quando então a peregrinação teria início no interior do
estado.
Apesar da campanha, não há registro de qualquer pronunciamento por
parte do governo militar, seja a favor ou contra. Seguimentos mais
esclarecidos da sociedade, entretanto, não se mobilizaram porque era
previsível que não se alcançaria um valor suficiente em ouro doado
proveniente de joias para cobrir as reservas cambiais de um país que
arrecada divisas nas atividades do comércio, da indústria e agricultura,
gerando bens, empregos e proporcionando os negócios da exportação e
importação que tocam a economia. Claro que a campanha não foi adiante,
entretanto jamais foi informado onde foi parar todo o ouro e o dinheiro
arrecadado. Do novo regime não houve também uma nota sequer de
agradecimento ao povo. Em lugar nenhum encontramos os números
definitivos dessa campanha que terminou silenciosa.
Nunca se soube do paradeiro da chave do cofre entregue de maneira
simbólica ao senador Moura Andrade, nem se ele repassou a chave do cofre
ao marechal Castelo Branco. Isso evidencia que a campanha “Ouro para o
Bem do Brasil” pode ter sido uma farsa, um tremendo golpe em cima de
famílias honestas que doaram suas alianças de casamento em troca de
nada. Foi mais uma dessas grandes malandragens que passam impunes entre
tantas outras neste país.
Se hoje achamos que a ladroeira alcançou níveis insuportáveis, a
campanha dos ”Ouro para o bem do Brasil” deixou claro que a picaretagem
já agia solta há 50 anos e o que muda é apenas a maneira de se roubar.
Impunes, os ladrões continuam cada vez mais criativos.
Fonte:matéria extraída da coluna da WEB "O ESTADÃO "
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